domingo, 27 de julho de 2014

Sistema agrário
 
Meu canto gravado de um saber oculto de águas
esquecidas fabricarei no campo com suor
de rudes trabalhadores, na chuva sepultando-se
de búzios pontuais, lamentos e desgraças.
Forçosamente rústico caindo sobre troncos,
pelo ar, compacto de húmus e branco vinho caindo
sobre plantações. Sobre homens caindo. Não os sei
com metralhadoras e mortes pesadas flutuando
em suas mãos calosas de sonho e agricultura.
Senão com amargo clamor ao meio-dia, quando
com rijas ferraduras rubro sol golpeia-lhes
decisivo o tórax sombrio. De sangue a sua
permanência rural de árvore e vento.
 
Materiais e diários, continuamente os vejo
por frios vales e serras recolhendo incertezas
e dores unânimes, pontes que lhes pesam úmidas,
como rios perduráveis, sobre o rosto seguro (banhados
tão por cinzentos rios, girassóis destroçados
vigiando rebanhos e metais decadentes
revisando no tempo em sonora aliança), como
estranhas biografias e equipagens
de passados cavaleiros, em derrota.
 
Impossuídas colheitas vão durando,
como denso muro de sono cicatrizado
em seu corpo amanhecido sobre a terra, que
pensamentos cruéis e sombras apunhalam.
Meu canto fabricarei com lágrimas e suor
subterrâneo de músculos e ferramentas
 
Maduram no verde dos cacauais suas asas telúricas.
Nas semeaduras, sob tempestade, reside no solo
seu mecanismo de luta e existência
de incessante labor camponês. Agrário sempre.
Suas armas essenciais, sua geometria agreste
hão de impregnar-se necessárias de úmidas
paisagens agrícolas de horror precipitando-se
sobre homens em silêncio nas estradas pacíficas.
Eles que sonhavam com instrumentos longínquos
terão na cabeça, rugindo sempre uma voz de ameaça,
quando a seus pés um ruído grosso de sacrifícios
vai sua boca de amor sem pão revolucionando.
 
 
 
 
MATTOS, Florisvaldo.  Mares Anoitecidos (Transações e desdita do Sig. Flamminco, em baía de sal e sol, com forma de útero — e outros inéditos).   Salvador, BA: Fundação Cultural do Estado da Bahia/ Imago, 120 p.  (Bahia: Prosa e Verso - 500 anos de Brasil) 14x20,5 cm.  ISBN 85-312-0713-4  “ Florisvaldo Mattos “  Ex. bibl. Antonio Miranda 

Um comentário:

  1. Como eu disse em sala de aula, a postagem do poema deve acompanhar uma reflexão sobre o texto. Por que escolheram esse poema? O que vocês sentiram quando leram este texto? Florisvaldo é um poeta baiano e isso significa alguma coisa para vocês? Vocês leram na escola algum texto de escritor baiano? Como conheceram o texto dele?

    ResponderExcluir